Render-se é a essência da Adoração.
Rendição não é um vocábulo usual ou mesmo popular, é quase tão malvisto quanto a palavra submissão. Ela alude à perda, e ninguém quer ser um perdedor ou tornar-se um. Rendição evoca a desagradável ideia de admitir a derrota numa batalha, em uma briga, perder uma competição, render-se ao outro, ou capitular perante um adversário mais forte ou até mesmo mais bem preparado. A palavra é quase sempre utilizada num contexto meramente negativo: Não se rendeu aos desejos carnais, ou, rendeu-se aos pensamentos maus.
Em tempos hodiernos, com a atual cultura competitiva, somos ensinados a nunca desistir, a jamais ceder, e acabamos não ouvindo falar muito de rendição. Se vencer é tudo, render-se é praticamente inconcebível, uma vergonha que deve ser evitada. Preferimos relaciona-la à vitórias, sucessos, triunfos e conquistas, do que falar de complacência, submissão, obediência e rendição. Mas, render-se a Deus é a essência da adoração, é uma resposta natural ao maravilhoso amor e à misericórdia de Deus. Entregamo-nos a Ele não por medo, obrigação ou vergonha, mas por amor, “Porque ele nos amou primeiro”[1].
“Porque ele nos amou primeiro”
Paulo, na Carta aos Romanos discorre sobre a maravilhosa graça de Deus para conosco, conclama-nos a entregar nossa vida inteiramente a Deus em adoração: “Meus irmãos, eu vos exorto, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Esta é a verdadeira adoração que vocês devem oferecer a Deus”[2].
A verdadeira adoração é propiciar satisfação a Deus, e acontece quando nos entregamos totalmente a Ele, sem reservas, sem guardar nada para si. Repare que o versículo começa e termina com o verbo “oferecer”.
A adoração consiste exatamente em oferecer-se a Deus.
O ato de render-se é conhecido de muitas maneiras: consagração, fazer de Cristo o seu Senhor, carregar a cruz, morrer para si próprio, submeter-se ao Espirito Santo. O que interessa é o fazermos, e não o nome que damos a esse tão pequeno ato. Deus quer sua vida, toda ela; mesmo 99% dela não é suficiente.
Podemos elencar três barreiras que impedem nossa total rendição a Deus: O medo, o orgulho e a confusão. Não percebemos o quanto Deus nos ama, e queremos controlar nossa vida, com nossos gostos, nossas reservas e nossas vontades, sem confiança Naquele que nos elegeu, e equivocamo-nos quanto ao significado de rendição.
Muitos se perguntam se devem confiar em Deus. A confiança é o ingrediente essencial para que você se renda.
Você não irá se render a Deus, a menos que confie n’Ele.
Contudo, não terá como confiar até que O conheça melhor. Não existe conhecimento, sem abertura, sem o desejo sincero do coração de relacionar-se com a Pessoa de Cristo. O medo impede que nos rendamos, mas o amor lança fora todo o medo e insegurança. Quanto mais você der conta de quanto Deus o ama, mais fácil será render-se. É uma relação de complementariedade, entrega e configuração da vontade e coração, a vontade daquele que, em nossos olhos olha e nos ama e deseja conosco estar. Onde Ele nos completa, nos torna plenos e realizados. Já não é um reclinar-se sobre o peito de Cristo e ouvir o bater de seu coração, mas, deixar que o próprio Cristo em cada comunhão eucarística, ouça o bater de nosso coração, como rendimento e entrega total ao seu querer em nossa vida.
Como saber que Deus te ama? Há vários indícios: Ele diz que é bom para você, protege[3]; que está sempre olhando para você, o preserva[4]; que se preocupa com cada detalhe de sua vida, todos os cabelos de sua cabeça estão todos contados[5]; que lhe deu a capacidade de desfrutar todos os tipos de prazeres em Deus[6]; que tem bons planos para sua vida, com um futuro e uma esperança[7]; que perdoa você por que é o próprio Altíssimo que o faz[8]; que é carinhoso e paciente com você, o cura e ama[9]. Deus o ama infinitamente, mais do que se pode imaginar.
A maior expressão desse amor é o sacrifício do Filho de Deus por nós, por você: “Uma prova brilhante de amor de Deus por nós: quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós”[10]. Se você quiser saber quão importante é para Deus, olhe para Cristo com os braços estendidos na cruz, dizendo: “Eis o tanto que eu amo! Prefiro morrer a viver sem você!
“Eis o tanto que eu amo! Prefiro morrer a viver sem você!
Deus não é um feitor cruel nem alguém que usa de força bruta para obriga-lo a se submeter, ou a amá-lo. Ele nem sequer tenta violar a nossa vontade. Prefere nos atrair com delicadeza para si, com um olhar que no silêncio diz mais do que todas as palavras ditas, de modo que nos ofereçamos a Ele voluntariamente. Deus é amigo e libertador, e render-se a Ele traz liberdade, não servidão. Quando nos rendemos completamente a Jesus, descobrimos que ele não é um tirano, mas um salvador; não um chefe, mas um irmão; não um ditador, mas um amigo.
O orgulho colocado por nós como barreira, é um grande obstáculo para total rendição. Não queremos admitir que somos apenas criaturas e que não estamos no controle de todas as coisas, que não sabemos tudo e nem podemos tudo. Esta é a mais antiga das tentações: “ Vocês serão como Deus! ”[11]. O desejo de ter o controle total é a causa de tanto estresse em nossa vida, de tanta tristeza interior. A vida é uma luta, mas o que a maioria das pessoas não percebe é que, como Jacó, nossa verdadeira luta é com Deus! Combatemos não a favor, mas contra Aquele que cuida de nós. Queremos ser Deus, e não há nenhuma chance de ganharmos essa luta. Assim, como declara o autor cristão Tozer:
O motivo pelo qual muitos ainda estão angustiados, buscando e progredindo lentamente, é que ainda não chegaram ao fim de si mesmos. Ainda tentamos meter o bedelho no trabalho que Deus realiza dentro de nós[12].
Não somos Deus e jamais o seremos: somos humanos, criados para um propósito específico, e quando tentamos ser Deus, desconfiguramos em nós sua vontade, e, é exatamente onde acabamos mais parecidos com Lúcifer, que desejou a mesma coisa.
Aceitamos nossa humanidade racionalmente, mas não emocionalmente. Quando nos confrontamos com nossas limitações, reagimos com irritação, raiva, ressentimentos, indiferenças. Desejamos ser mais altos (ou mais baixos), mais gordos (ou menos gordos), mais inteligentes, mais fortes, mais talentosos, mais bonitos, mais ricos. Queremos ter tudo e fazer tudo e ficamos deprimidos quando isso não acontece. Então, quando percebemos que Deus concedeu a outros, características que não possuímos, reagimos com inveja, ciúmes e autopiedade. Culpamos a Deus por aquilo que em nós não está formado, por aquilo que não conhecemos nem em nós mesmos.
Render-se a Deus não é resignação passiva, fatalismo ou desculpa para a ociosidade. Não é resignar-se com a situação. Significa exatamente o oposto a tudo, é sacrificar a vida ou sofrer, a fim de mudar o que precisa ser mudado.
Deus frequentemente chama pessoas que se entregaram a Ele para batalhar em seu nome.
Render-se não é para os covardes ou subservientes. De igual modo, outrora, não significa desistir do raciocínio mental: Deus não desperdiçaria a mente que lhe concedeu! Deus não quer ser servido por pessoas robotizadas, meramente legalistas. Render-se não é suprimir a própria personalidade. Deus quer utilizar suas características singulares. Em vez de diminuí-la, a rendição a lapida e aprimora. Como observa C.S. Lewis:
Quanto mais deixamos que Deus assuma o controle sobre nós, mais autênticos nos tornamos, pois, foi quem nos fez. Ele inventou todas as diferentes pessoas que eu e você tencionávamos ser […], é quando me volto para Cristo, quando me entrego à personalidade dele, que pela primeira vez começo a ter minha própria e real personalidade[13].
Doravante, o render-se leva a melhor glorificar a Deus.
[1] 1João 4,19.
[2] Romanos 12,1
[3] Salmos 145,9
[4] Salmos 139,3
[5] Mateus 10,30
[6] 1 Timóteo 6,17b
[7] Jeremias 29,11
[8] Salmos 86,5
[9] Salmos 145,8
[10] Romanos 5,8
[11] Gênesis 3,5
[12] Cf. I Talk back to the Devil (Christian Publications, 1990), Tradução livre.
[13] Cf. Cristianismo Puro e simples.
Marcos Antônio Ferreira, 1º Ano da Configuração