A morte da Metafísica: a primazia do fazer sobre o ser

Atualmente muitos autores asseveram que a sociedade está doente, ou melhor, vazia. Comumente observa-se que as megalópoles, aquelas grandes cidades espalhadas por todo orbe, possuem um ritmo com intensidade quase doentia, uma vez que há demasiados afazeres a serem executados em um ínfimo espaço de tempo. O cotidiano destas pessoas, que vivem nestes grandes centros urbanos, é plasmado pela tensão, stress e uma ansiedade que chega a níveis patológicos. Assim sendo, a multiplicidade de compromissos e a urgente necessidade de concretizá-los faz com que o corpo social ingresse em uma constante busca pelo fazer enquanto que o ser é suplantado pelo mesmo, ou seja, substitui-se o ser pelo fazer. 

Tempus fugit. Esta expressão latina, traduz muito convenientemente o que foi supracitado, visto que é rotineiro deparar-se com a fugacidade do tempo cronológico. O dia-a-dia é permeado de atividades, deveres, compromissos e quando se percebe, mais um dia findou-se, e não só mais um dia, mas meses e anos. Tudo está em movimento, este mundo vigente perdido em tantas ocupações, pode sem sombra de dúvida, ser comparado a filosofia de Heráclito, o qual, afirmava que tudo é pluralidade, guerra de contrários e, por isso, movimento constante[1]. O fazer implica movimento, onde há atividade, existe alguma locomoção e todo fazer pressupõe um ser; mas o ser não necessita do fazer.

É comum nos dias atuais, a primazia do fazer sobre o ser. O mundo hodierno é caracterizado por um ativismo incalculável, as pessoas estão em constante movimento e a finalidade do mesmo é puramente imanente. A sociedade está composta de pessoas, que cada vez mais estão preocupadas com o emprego, o estudo, o dinheiro, o bem-estar, enfim, com os devidos compromissos inerentes a cada estado de vida, contudo, negligencia-se aquilo que é mais importante e salutar para a vida humana, a saber: o convívio com a família, um diálogo sincero com os filhos ou amigos, uma dedicação mais refinada com a esposa ou esposo, portanto, uma especial atenção para as prioridades da vida.

Vê-se que, também os jovens percorrem a mesma direção, uma vez que, suas escolhas são pautadas nesta proeminência do fazer, isto é, escolhe-se aquilo que se faz e não aquilo que é. Aliás, nem se indaga, no momento de optar por uma profissão ou um curso superior, se aquele é compatível com a vocação dada por Deus; mas, pelo contrário, busca-se o que é mais rentável as custas de pouco esforço e dedicação. Assim, nesta corrida pela ação, a identidade se perde, esquece-se o sentido da vida e, infelizmente, muitos jovens ingressam em patologias que, se não remediadas, podem ocasionar o suicídio.   

Esta cultura da ação, tem origem remota, aliás, regressa ao século XVI e XVII quando ocorreu a Revolução Científica, a qual foi uma transformação que envolveu toda a sociedade daquela época, um acontecimento que proporcionou o desenvolvimento da ciência experimental bem como o início da rejeição pela metafísica, que é a ciência do ser, do transcendente[2]. No período clássico-medieval, o homem possuía uma atitude passiva, de contemplação diante da realidade, do mundo concreto; ao ponto que o filosofar no ocidente, tendo como precursores os pré-socráticos, teve seu exórdio com a thaumasia, isto é, o espanto com as coisas da natureza, com a harmonia e beleza encontradas no universo[3]. Todavia, a partir da era moderna, o homem abandou esta atitude passiva e enveredou-se pelo caminho da mensuração, da técnica, do experimento.

A ciência é um dos pilares do mundo atual e seu desenvolvimento é louvável e necessário, contudo, a sua invocação como uma “deusa”, não pode ser considerada como um ganho para a humanidade, pois limita a realidade em uma única direção. Assim, não é conveniente e nem credível, segundo a crença hodierna, aceitar algo que seja considerado como transcendente ou até mesmo espiritual, uma vez que as coisas visíveis, e por isso sensíveis, são explicadas a partir de métodos rígidos que alcançam um resultado lógico e coerente, enquanto que as coisas consideradas ao nível metafísico são denominadas como meras quimeras.

O desenvolvimento cientifico deu-se a partir do sacrifício da metafísica, negou-se esta, a fim de com o seu “sangue” dar-se-ia vida a um mecanismo que se transformou subitamente na única via de obtenção de certeza, confiança e esperança para a resolução dos empecilhos modernos. Como é constatável o que foi supracitado no tempo presente, no qual o mundo passa por uma pandemia e unicamente se deposita toda a sua fé em uma deusa que os próprios homens construíram e deram à vida. Também é fruto direto ou indireto desta morte da metafísica a substituição da pessoa pela sua produção, ou seja, não se pondera sobre a pessoa em si, mas acerca daquilo que é capaz de produzir[4], e a manifestação mais nefasta e horrenda desta inversão chama-se aborto e eutanásia. Como uma ciência sem metafísica é capaz de substituir o ser pelo fazer

O positivismo, tendo Auguste Comte como um eminente representante, assevera a crença fidedigna nas ciências positivas, esta doutrina permeou todo o mundo filosófico ocidental e até hoje continua a ressoar as suas vozes em muitos lugares, para não dizer no orbe todo. A filosofia de Comte veio substituir a metafísica, a qual foi desfalecendo a cada nova geração moderna; a metafísica encontrou-se absolutamente destituída do léxico filosófico, ao ponto de estudar filosofia tornou-se uma mera consulta histórica com óculos sumamente embasados. Portanto, vê-se que a morte da metafísica ocasionou uma mudança nunca vista na humanidade, contudo, ao passar dos séculos verificou-se que tal transformação converteu-se em uma ameaça, onde as pessoas não conhecem o próprio sentido da vida, da felicidade e do bem estar, pois tudo isso foi suplantado pelo fazer ausente de ser[5].

Assim sendo, pode-se dizer que no epitáfio do “túmulo” da metafísica encontra-se esta descrição: requiescant in pace (Descanse em paz), pois, consoante a mentalidade vigente, esta ciência já exauriu todo o seu contributo e a mesma é classificada como obsoleta e pertencente à Idade Média. Portanto, a  decadência da Metafísica ocasiona uma exacerbada cultura do movimento, em outras palavras, do ativismo imediatista e todo este costume foi exponencialmente adentrando na sociedade a partir de uma pequena reviravolta ocorrida no campo filosófico, pois como diz Santo Tomás de Aquino: “um pequeno erro no princípio é grande no fim”[6].       


[1] Cf. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Filosofia pagã antiga. Vol. 1. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004. p. 23.  

[2] Cf. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Humanismo a Descartes. Vol. 3. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 139-140.

[3] Cf. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Filosofia pagã antiga. Vol. 1. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004. p.12 

[4] Cf. FILHO, Ives Gandra Martins. Manual Esquemático de Filosofia. 4. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 58-59.

[5] Cf. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Romantismo ao Empiriocriticismo. Vol. 5. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 288  

[6] AQUINO, Tomás. O ente e a essência. 2. ed. Petrópolis: Vozes de bolso, 2018. p. 17.  

João Vitor Barbosa da Silva, 2º do discipulado.

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