“Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que está em mim e não dá fruto, ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos, por causa da palavra que vos tenho falado. Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podeis dar fruto, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós os ramos.” Jo 15, 1-5
Quando nos mudamos para a nova sede do Propedêutico, na casa das irmãs salesianas na Vila Góis, uma das primeiras plantas que me chamou a atenção foi a videira. Inculta, a meses sem trato, rega ou poda, via-se desfolhada e abandonada. Como na última florada não se tinha podado, provavelmente não tenha dado frutos. Se tivesse também os animais selvagens – gambás e micos – os teriam devorado.
Seus rebentos, mortos e secos, estendiam-se por todo o canto, sem ordem ou coerência. Desciam pelo muro, chegando a atingir a área externa da casa. Pela minha falta de conhecimento sobre a espécie, ou talvez pela impressão que ela mesma passava de si, imaginei que para aquela videira o tempo já se tinha esgotado. Dei-lhe de imediato minha sentença. Não viverá.
Mas, num dia como qualquer outro. Visitou-nos um nobre e distinto senhor. O mesmo que havia, a vinte anos, plantado aqui essa mórbida videira. Disse-nos o senhor: “basta que a podemos com muito amor, com cuidado e zelo. E, depois de regá-la com abundância, ela se desenvolverá e dará belos frutos, vocês verão isto!” Pôs-se então a podá-la. Cortava cada rebento seco, tirava-lhe todas as folhas e guias, cortava, cortava e cortava… Quando não restava mais nada além de seu tronco de pé e alguns poucos ramos grossos e secos atados ao estaleiro, o senhor nos disse, com um largo sorriso: “Pronto! Agora é necessário que vocês cuidem dela, regando-a todos os dias.”
Nessa hora entrou em cena mais uma vez a minha falta de fé. Via aquele troco seco, sendo sustentado de pé por alguns poucos galhos, finos e secos igualmente. Não tinha a mínima esperança de que veria prosperar aquela parreira, ou aqueles seus restos que sobraram da poda. “Esse senhor deve estar brincando comigo. Fez morrer o que já estava morto. Como ‘isso’ reviverá?” pensava incrédulo e decepcionado em meu coração. Mas decidi dar-lhe ouvidos e, por obediência, seguir suas recomendações. Todos os dias, pela manhã e pela tarde, ocupava-me em colocar uma mangueira de água aos pés da videira, para que durante trinta minutos gotejasse e assim deixasse bem húmido o solo.
A cada dia que desempenhava essa tarefa mais morria, em meu coração, a esperança de ver aqueles mortos e secos galhos, verterem-se em vivos rebentos e verdejantes folhagens. Findando-se o semestre letivo, saímos de férias, não antes de realizar o sagrado ritual da rega da videira. Ficamos sete dias em uma chácara, descansando e nos refazendo para retomar a jornada. Sem se quer nos lembrarmos de nossa moribunda e debilitada plantinha que ficara em casa. Mas, talvez para contrariar-me e formar-me, ao retornar para a casa notei com espanto o desenvolvimento acelerado que teve a mesma nesses poucos dias.
Seus rebentos se espalhavam por todo o estaleiro, suas folhas, verdes e viçosas, tomavam conta de toda a parte. Aquela inculta videira, que depois tinha-se tornado em um morto tronco e poucos galhos secos, mudara-se em uma vívida, verdejante e frondosa planta. O verde de suas folhas devolvia aos meus olhos a esperança e seus pequenos cachos de uva, a já se formarem numerosos, como que afrontavam minha incredulidade e desprezavam minha incerteza.
Mas, por que seria tão importante esse fato? Ao contemplá-lo e meditar acerca dele. Consegui retirar para minha vida espiritual muitas lições. A qual gostaria de partilhar com você, caro leitor. Eu sou a videira inculta. Que, largada e desprezada, verteu-se em uma relva selvagem, disforme e desprezível. Escolhendo fechar-me aos cuidados de Deus, me via no início da formação exatamente desta forma. Mas, mesmo que alguém ao contemplar-me dissesse como eu mesmo: “Não tem mais jeito!” O bondoso Senhor não desistiu de mim.
Com amor, transplantou-me a sua vinha. Plantou-me em solo fértil. Podou-me e continua a podar-me, com ímpeto e veemência, ainda que a redução a alguns poucos galhos seja por vezes dolorosa. Tem purificado meus troncos. Retirando os rebentos desnecessários que drenam a seiva da minha intimidade com Ele. E tem regado a mim, dia após dia. Dedica, não trinta minutos de seu tempo, mas vinte e quatro horas em fornecer a esta pobre videira tudo que precisa para se desenvolver.
Imagino agora às vistas do bondoso Senhor. Será que ele já contempla em mim verdes e novos rebentos? Será que está ansioso por, no tempo certo, colher de mim os frutos? Será que espera com ânsia por aquilo que virá após tão gentil e doce trato para com esta sua videira?
Certamente sim!
Cabe a mim, como coube somente à minha videira, assimilar os cuidados que tenho recebido. Absorver a água fria e abundante do conhecimento que tenho recebido, receber a dura e impetuosa poda que me liberta e protege. E depois de ter assimilado tudo isso, mudar-me em uma frondosa e viva videira. Com abundantes e doces frutos. Que acolhe e nutre a muitos. E que, com o “verde” de suas boas obras, devolve a esperança aos olhos daqueles que já a tinham perdido. Cabe ainda lembrar que a videira, apesar de ter se desenvolvido por suas forças, não o faria se não tivesse quem a cultivasse. Ou seja, nada disso valerá a pena, caso minha existência como doce e viva videira, não sirva para testemunhar o zeloso e cuidadoso agricultor que tem me formado a cada dia.
“Podai-me Senhor, ainda que doa. Regai-me Senhor, com vossa sabedoria. Protegei-me Senhor, dos animais selvagens que me rodeiam – e daquele que vive dentro de mim. E dai-me a graça, Senhor, de produzir bons e doces frutos, no tempo certo. Não por essa simples e pobre videira, mas para testemunhar o seu zelo amoroso e sua presença Redentora e perene em meio a vossa vinha!”
Per Ipsum, cum Ipso et in Ipso!
Marcos Santana, ano propedêutico.