VOLTAR PARA CASA

Em um tempo muito distante, em um lugar muito diferente, um homem, um dia saiu de casa. Por que ele saiu, ninguém sabe ao certo, mas todos sabem que saiu. Ele foi embora e em seu peito sentimentos de dúvida e liberdade, ou melhor, libertinagem, martelavam. Ele não tinha certeza de mais nada, mas sabia que tinha os dons que o pai o havia dado e isso o permitiria viver por longos anos nas terras distantes de casa.

Depois de muito andar, atravessar campos desconhecidos, encruzilhadas nunca vistas, montanhas altíssimas e enfrentar as dores do caminhar, o homem se encontrava total, perfeita e redondamente perdido. Ele já não sabia de onde tinha vindo, ou para onde ia, tinha até se esquecido quem realmente era e até o que fora fazer ali. A casa já era uma lembrança distante e desbotada de um conto de fadas.

A estrada que aquele homem havia usado para chegar ali também havia sumido e tudo o que o envolvia estava um breu, estava escuro e cercado de árvores infrutíferas, espinhos pontiagudos e animais selvagens. O homem se desesperou, tentou correr em direção às árvores, aos espinhos, aos animais, mas estes o feriram, o chagaram. Ele se vê desolado, sozinho, machucado e pobre.

Nesse momento um pensamento corta sua mente. Onde minha liberdade me levou? De onde eu vim? Nesse instante, nesse bendito instante, o homem se lembra de casa. Aquela casa, sempre quente, confortável, amável, perfeita para ser sua casa, seu lugar. Em sua casa não havia estes espinhos, nem essa escuridão sufocante, nem esses animais perigosos. Em casa havia paz, e só isso aquele pobre homem queria.

Ó pobre homem! Só, ferido e machucado. Começa a pensar e a chorar; “por que fui sair de casa? ”. Então nesse momento, esse homem se joga ao chão, e caído, chora profundamente, se arrependendo de suas escolhas. “Ah, se estive em casa! ”. Somente nisso ele consegue pensar.

Chorando profundamente sua dor, aquele pobre homem não percebe que ao redor de si, exatamente em sua frente, começa a abrir uma nova estrada. Esse caminho que se formava milagrosamente era limpo, seguro, mas marcado com manchas de sangue, sempre frescas, de alguém que havia passado por aí. Levantando sua cabeça, o homem, atônito percebe esse espetáculo e se levanta para poder percorrer tal caminho.

Mesmo sendo um caminho limpo, o homem não enxerga muito, suas forças estão se esvaindo. O caminho é reto, mas longo. No coração do homem começa a reinar novamente o medo e a escuridão. Mesmo com esse caminho, ele não tinha forças para o percorrer. Ele sentia a morte se aproximar à beira da praia. Todo aquele caminho não seria percorrido por ele e nunca saberia de quem era aquele sangue, que banhava toda a estrada.

Nesta situação, o homem quer se render novamente. Quer se entregar àquelas trevas e as deixar o levar, sem que tenha que se preocupar. Nele enceta um sentimento de derrota e parece que quer cair novamente. Começa então a se abaixar, em um ritmo lento, carregado de tristeza e dor. “Este é o caminho para casa, mas não poderei o percorrer, pois sou fraco e está escuro”. Esta frase resumia todo o pensamento do homem naquele instante, e pensou que isso o seguiria para sempre.

Novamente, num ímpeto, uma luz forte ilumina seus olhos marejados e uma força percorre cada centímetro de seu corpo. O homem, assustado, fecha seus olhos por um momento, esperando que suas pálpebras se acostumem com a claridade repentina. Após esse instante, o homem se revigora, se sente forte e pronto para caminhar. Aquilo que via diante de seus olhos era algo novo e o inspirava. Via o caminho que vinha seguindo e a luz, que chegava de todos os lugares, dava força para ele caminhar. O homem podia agora voltar para casa. 

O autor da Carta aos Hebreus nos diz: “não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da cidade que está para vir[1]”. O homem saiu de Deus e deve voltar para Ele. Todos nós fomos criados por Ele e por amor d’Ele. Que grande júbilo devemos ter por sermos criados por Deus, criados e amados. Ele é Aquele, que na filosofia, chamamos de causa eficiente, Aquele que cria, que dá a existência.

Porém, como aquele pobre homem de uma terra distante, a humanidade e cada um de nós se distanciou d’Ele e de seu infinito amor. Nós, como aquele homem, saímos de casa, da proteção, do aconchego e do esplendor do seu amor e presença. Nós caminhamos por caminhos escuros e nos perdemos tantas e tantas vezes. E essa verdade pode ser percebida em nossa própria vida, em nossos pecados e quedas.

E como esse homem, tantas vezes nos perdemos não somente no caminho, mas no desespero, no medo e na tristeza. Perdemo-nos e tentamos lutar com nossas próprias forças contra aqueles perigos, aqueles problemas e por isso, nos machucamos, nos ferimos e sentimos a dor. Essa dor, por muitas vezes nos prostra ao chão e tememos até erguer os olhos. Estamos tão longe de casa, tão perdidos, que quase não sobram esperanças nesse coração ferido por seus próprios atos.

Nesse instante, tão bendito quanto aquele caminho que foi dado àquele pobre homem, uma via se nos apresenta. Todos sabemos o nome desse Caminho, mas nem sempre recorremos a Ele. Esse é Aquele que diz: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida[2]”. Ele é Jesus. Ele aparece e se torna, puramente por amor, o Caminho de volta para casa. E nos alegramos e corremos em direção a esse Caminho.

Como aquela estrada do pobre homem, o nosso Caminho está coberto de sangue. Isso não é algo tenebroso, mas muito mais reconfortante, por que é o sangue daquele que foi ferido para nos salvar. O sangue na estrada é d’Aquele que foi transpassado pela lança e por amor. Por isso, nesse caminho podemos dizer que: “Feliz o homem cujo o socorro está em Vós, e só pensa em vossa santa peregrinação[3]”. Por que este é um santo caminho banhado no sangue de Cristo.

Assim, nos jogamos à estrada e caminhamos com fervor. Porém, aquela empolgação, aquele ardor do momento logo se esvai. Então, as feridas, a dor e o medo voltam. O Caminho é plano e reto, contudo longo e não temos força para caminhar. Logo, com nossa pequena fé, desesperamos e tememos. Queremos abandonar tudo.

Novamente alguém vem em nosso auxílio. O Espírito Santo, aquele Grande Desconhecido, mas que é Luz e Força. Luz que ilumina o caminho, mostrando e revelando a nossos olhos aquele Caminho. Por isso, o salmista diz: “Enviai tua luz tua verdade: elas me guiarão, levando-me à tua montanha sagrada, às tuas Moradias[4]”, ou ainda, falando sobre o homem que caminha: “Seu vigor aumenta à medida que avançam, por que logo verão o Deus dos deuses em Sião[5]”. Essa Força e Vigor que, como àquele homem, percorre nosso corpo e alma para podermos, com lentos e constantes passos, percorrer o caminho de volta para casa do Pai.

E no percorrer este caminho, nossa vida vai se realizando, vamos vivendo, sempre com os olhos fixos no nosso Fim. A vida não se torna um fardo, mas uma preparação e um caminho, em que sabemos de onde viemos e para onde vamos. E em algum momento, bendito momento, nos encontraremos na casa do Pai e exclamaremos: “Feliz quem escolhes e aproximas para habitar em teus átrios[6]”.

E todo esse grande caminho faz parte de um mistério muito maior, o mistério da vida. Trilhar tal caminho é se abrir a Deus, a Sua perfeitíssima Vontade e caminhar ao seu lado como companheiro. Esse caminho de voltar para Casa, é voltar para Deus. É o caminho de conversão, diária, constante e firme. É voltar para o Pai que nos espera em sua Casa, o Filho que é nosso Caminho e o Espírito que é nossa Força e Luz.

Assim, vemos que o mistério mais importante de nossa fé, o mistério da Santíssima Trindade, da “Santa, indivisa e una Trindade[7]” como cantamos em nossas orações, se faz presente em nossa vida. Viver esse Caminho de volta para a Casa é viver o mistério da Trindade. E esse mistério nos acompanha em toda caminhada.

Portanto, para podermos viver com sinceridade o Caminho de volta a casa do Pai, e como aquele filho pródigo[8] e o pobre homem da história citado acima, ter a alegria do retorno, continuar no caminho. Busquemo-nos, por isso, converter hoje, modificando nossas ações, nossas intenções e pensamentos que não condizem com nosso caminho de volta. Se conseguirmos viver como esses caminhantes, nem um segundo em nossa vida será perdido, por que, em todos eles, saberemos que estamos caminhando rumo àquele que é o Sumo Bem e nos aguarda de braços abertos.

Santíssima Trindade, indivisa e una, a qual professamos nossa fé e pedimos humildemente que volva a nós seu olhar, acompanhando-nos sempre nesse caminho e não permita que nos percamos pelas estradas tortuosas da vida. Nós confiamos em Vós e pela Vossa grandiosíssima misericórdia, tende piedade de nós e do mundo inteiro e guiai a todos nós de volta para Casa.


[1] Hb 13, 14. [2] João 14, 6. [3] Salmo 84 (83), 6. [4] Salmo 43 (42), 3. [5] Salmo 84 (83), 8. [6] Salmo 65 (64), 4. [7] Liturgia das Horas, Vol. III, 2000, p. 537. [8] Lucas 15, 11-32.

Wilgner Batista, 3º ano do discipulado.

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