Dizia um ditado latino “Imperare sibi maximum imperium est”[1], mas, para poder governar algo é preciso saber o que será governado, pois, a filosofia nos ensina que, a causa final de uma ação deve ser a primeira na intenção. Só se pode planejar quando houver algum objetivo a ser alcançado, que, neste caso especifico, é o governo de si, porém, torna-se ainda necessário descobrir algo a mais, como: quem é esta pessoa que deve ser governada.
Uma vez conhecida toda causa final, começa-se a pensar em como alcançá-la, procurando as melhores estratégias e metodologias[2] que deverão ser utilizadas, e isso ocorrerá de acordo com cada particularidade conhecida.
Este conhecimento de si deve residir no início de qualquer vida espiritual, pois o caminho da santidade exige que a pessoa procure imitar o Mestre e refleti-Lo em cada ação da sua vida. Para poder imitar alguém, faz-se necessário, primeiramente, conhecer quem será imitada e depois identificar o que falta para assemelhar-se a ela. Assim, sem deixar de lado a figura do Salvador e reconhecendo seu primado na vida espiritual, analisemos o outro ponto tratado: o conhecimento de si.
O teólogo alemão, Dietrich von Hildebrand, afirma que “o único conhecimento próprio verdadeiro e fecundo é o que nasce do confronto de nós mesmos com Deus”. A pessoa, para realmente conhecer-se, precisa confrontar-se com o que ela é de verdade. Esse confronto, no nível puramente natural, não é o suficiente, pois o homem não é algo simplesmente material, mas, como o próprio Santo Agostinho, em sua citação mais famosa, nos lembra: “Fizeste nos para ti senhor e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em ti”. O homem foi feito por Deus e para Ele e só encontra plenamente a si mesmo quando reconhece essa verdade e procura em Deus o que ele é.
Nesta procura de conhecimento próprio o homem se depara com um dilema de um pendulo, em que, de um lado, alguns ramos psicológicos afirmam que tudo o que o homem tem dentro de si é o que ele é e isso não poder ser mudado, pois isso seria como que violar sua natureza. Existe, também, outra posição oposta, que afirma que tudo o que é da natureza humana está errado e que deve-se tornar um anjo para poder fugir desta natureza humana frágil. Mas, como Aristóteles repetia muito, “a virtude é um meio-termo, e em qual sentido ela o é, a saber, que ela é um meio termo entre dois vícios”, dessa forma, o real conhecimento de si passa pela exclusão destes dois pontos extremos, até se chegar a um ponto em que ambos se unem e mostram o que a pessoa é de verdade.
A pessoa, quando criada por Deus, foi concebida segundo uma ideia que Ele teve ou, como Hildebrand diz: “a palavra interior com que Deus nos chama”. Esta palavra carrega em si tudo o que a pessoa tem a capacidade de ser – é uma espécie de projeto inicial feito por Deus, para que cada pessoa possa ter um funcionamento de 100%. A meta de cada um de nós é alcançar este projeto e realiza-lo perfeitamente. No entanto, este projeto é completamente individual, pois cada alma é particular e irrepetível, por isso possui sempre algo de próprio que a distingue das outras.
Este projeto não nos foi dado completamente concluído, mas, Deus, quando cria cada pessoa, dá a ela tudo aquilo que é necessário para que ela mesma conclua esse projeto. Todas as graças necessárias, em cada momento da vida, a família, o momento histórico exato, tudo isso foi pensado por Deus no momento da criação de cada pessoa, porém, nossos primeiros pais jogaram esse projeto no barro e, como consequência, todos os projetos posteriores se sujaram. O pecado original dificulta, um pouco mais o entendimento e a realização desse projeto, porém dificulta, mas não o impossibilita e Cristo foi responsável por nos mostrar que é possível realizá-lo.
Cada pessoa, quando reconhece essa necessidade de uma mudança, de uma imitação de Cristo e uma configuração a Ele, tem que sempre procurar entender melhor qual foi o nome que Deus deu para ela, a partir desse nome começar a brincar de LEGO e ir juntando as peças, encaixando-as de forma correta, cada uma delas em seu devido lugar. Cada ser humano deve reconhecer, primeiramente, aquilo que lhe é próprio, que faz parte do nome dado a ela por Deus, e trabalhar para poder melhorar nisso. Essa configuração a Cristo – como bem lembrado por Hildebrand – “não significa a renúncia ao que possa haver de valioso em cada individualidade, ou a negação da particular maneira de ser querida por Deus”, isso se verifica na vida dos santos, que “à parte do traço comum de ‘que já não vivem de si, mas é Cristo que vive neles’, conservam cada qual uma individualidade”. Deve-se reconhecer, também, os pontos a serem melhorados e começar uma luta para isso.
É justamente nessa etapa que se encontra a real importância do verdadeiro conhecimento de si. Se não se conhece aquilo que se é realmente, e se há uma construção de um possível eu, que na realidade não existe, tem-se uma luta muito ferrenha com uma invenção, ou com um moinho de vento, achando ele é o verdadeiro dragão a ser derrotado e isso faz com que se dedique muito tempo e muita energia com uma luta inútil. E se tem uma coisa com a qual não se pode brincar é com o tempo, pois, como Padre Pio afirmava, “o tempo é a moeda que compra a eternidade”, assim deve ser muito bem aproveitado.
A sinceridade de se reconhecer na sua pequenez e saber a fundo as misérias que sua alma carrega é um esforço heroico, mas extremamente necessário. É preciso reconhecer as fragilidades da natureza humana e, mais especificamente, aquelas que são próprias ao seu ser pessoa irrepetível e gritá-las para Deus, mostrar a Ele cada uma dessas fragilidades, para que juntos possam caminhar e trabalhar para mudar isso. É como entrar na máquina idealizada por Douglas Adams e ver o quanto se é pequeno em relação ao universo e, principalmente, em relação a Deus. Depois desse reconhecimento, como lembrando por Hildebrand, “ter a mais absoluta certeza de que Deus que a sua santificação”, e saber “muito bem que, por si mesmo, nada pode, mas que em Cristo pode tudo.”
Para auxiliar nesta luta é muito útil o auxílio de um diretor espiritual. Ele é a pessoa que vai ajudar na caminhada e no conhecimento próprio e deve ser também aquele que quebrará as falsas visões que se tem de si, por isso Hildebrand afirma que: “Deveríamos beijar encarecidamente as mãos dos que destruíssem as falsas ilusões que sobre nós mesmos nutrimos”, quando alguém faz isso, este está procurando ajudar a pessoa, mostrando para ela o quanto pode estar perdendo tempo em uma luta contra o vento, enquanto o real inimigo está ali, ao lado rindo.
Para os casos onde não há a possibilidade de uma direção espiritual frequente, o exemplo dos Santos, que foram homens virtuosos e que se empenharam nesta mesma luta, dá à pessoa um auxilio nas dificuldades. Principalmente o exemplo de santos que viveram a mesma condição de cada um de nós, e santos que tiveram as mesmas tentações que cada um tem, pois, a vida deles nos mostra como conseguiram vencer aquela determinada tentação e, principalmente, como conseguiram ser santos na sua condição de vida.
Se a pessoa se conhece verdadeiramente, conhece que há um projeto, ou um nome dado a ela por Deus, reconhece que por si mesma não consegue alcançar este projeto e se apoia na graça divina para poder atingir esse ideal, buscando ajuda com um diretor espiritual, e através vivência dos sacramentos.
Portanto, a disposição de mudança deve ser mantida por toda a vida de peregrinos nessa terra, pois enquanto se peregrina, há algo que deve ser mudado. Assim, essa pessoa tem a certeza de que um dia poderá chegar face a face com seu Criador e dizer: “Aqui estou eu, consegui levar a cabo aquele projeto que o Senhor tinha para mim”, ou seja, todo esse conhecimento dará a ela o que se precisa saber para poder “Imperare sibi”.
[1] Governar a si é o maior governo.
[2] Metodologia segundo sua definição nominal é o caminho para algo, o caminho que usamos para chegar a um objetivo.
Marcus Vinícius, 2º ano da configuração