Olhar para a história da aparição da Imagem de Nossa Senhora, nas águas do Rio Paraíba, é olhar para a unidade mística de Cristo com Sua esposa, a Igreja. Além disso, a manifestação da imagem de uma Santa Mãe, recorda a necessidade de ser dependente Daquela que, na ordem da graça, possui total plenitude. E como se não bastasse esses fatores, todo o contexto revela a atração da Santíssima Virgem pelos seus filhos da terra de Santa Cruz, por aqueles que são simples, humildes e se fazem pequenos como Ela própria se fez diante de Deus.
“Porque olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1,48)
É sabido, mediante os relatos, da pesca miraculosa daquela noite de sábado para domingo, de Outubro de 1717, que o dono da canoa Domingos Alves Garcia, com João Alves (provavelmente seu filho) e um parente, Felipe Pedroso, iniciaram a pescaria no Porto de José Corrêa Leite, continuando até ao Porto de Itaguaçu, que leva uma distância considerável, sem tirar peixe nenhum. O interessante é que naquela região, o Rio Paraíba era todo sinuoso e suas margens, cobertas de vegetação com muitas passagens alagadiças, eram próprias para a proliferação de peixes.
Assim, no Porto de Itaguaçu, deu-se, portanto, o grandioso fato: ao puxarem a rede, sentiram-na muito pesada e acreditaram logo se tratar de uma grande quantidade de peixe. O primeiro a sentir a sensibilidade do peso da mesma foi João Alves. Ao desvendar o mistério, viu o corpo de uma pequena imagem. A surpresa não o fez desistir, lançando novamente a rede a pouca distância. Eis que nessa segunda puxada, aparece a cabeça da Santa.[1]
Uma pergunta certamente fica no ar: quem teria jogado uma imagem, cuja representação do sagrado, se faz ter mais zelo e cuidado por ela? Dentro da realidade de uma imagem quebrada, era conveniente o costume de tempos imemoriais advindos da Europa, o de se enterrar restos irreparáveis de venerandas imagens. Em Itanhaém e Parnaíba, cidades paulistas que existem desde a época da colonização, sabe-se que em poços cavados nas suas igrejas, foram enterrados restos de várias imagens destruídas pelos anos ou por desabamento ocorrido no templo.[2] No entanto, o pescador a guardou em sua barca.
E ao continuar a pesca, não tendo obtido nada até então, dali em diante, foi um trabalho tão copioso em poucos lances, que, receosos de naufragarem por tamanha quantidade de peixes, eles se retiraram para suas moradas, admirados com o sucesso da pescaria. O humilde pescador João Alves, quando chegou em sua casa, anunciou à sua mãe, Silvana da Rocha, o acontecido e entregou-lhe o achado para que ela mesma pudesse cuidar. E, por cerca de dez anos, a imagem ficou sob os cuidados dessa zelosa senhora.
Diante dos fatos, a ciência física não consegue explicá-los, e a conclusão que se chega é que se trata de algo realmente miraculoso. Segundo as leis naturais, só pode flutuar na água um corpo que seja mais leve que a própria água. E sendo dessa forma, se estivesse afundada, deveria estar no fundo do rio, cobrindo-se de lodo, o que não aconteceu. Outro fato é que a região de Itaguaçu possuía águas turbulentas, ambiente nada propício para o ocorrido. É também curioso a relação do peso do corpo da imagem (em torno de 4.350 gramas) com o peso da cabeça (cerca de 150 gramas): corpos com pesos diferentes nadam com velocidades diferentes, sendo quase improvável a aparição do corpo e, em seguida, da cabeça. Pensando ainda no material da imagem, que é de barro poroso, como não se dissolveu nas águas? Como teria sido quebrada? A que oratório pertenceu? De que modo a suave cabecinha da imagem não escapou na malha das redes, mediante os movimentos e compressões do rio? E o que dizer da grande quantidade de peixes no terceiro lançamento? A tentativa de explicação humana, aos poucos vai sendo substituída pela poderosa mão de Deus, que usou esses fatos para tornar mais sólido o culto a Maria no território brasileiro.
É muito significativo pensar, como o prodigioso encontro do corpo, e após, a cabeça, encaixando-se perfeitamente, traz uma preclara mensagem ao povo brasileiro: no corpo encontra-se o coração, na cabeça a racionalidade. A capacidade de amar e a grande sensibilidade religiosa que o brasileiro traz consigo, deve ser equilibrada com um maior aprofundamento doutrinal e uma interiorização da fé católica. Fazendo desta maneira, a “pesca” será abundante e os devotos de Aparecida serão capazes de transmitir, com sua presença e testemunho de vida, a alegria do Evangelho onde quer que estiverem.
“A inteligência – iluminada pela fé – mostra-te claramente não só o caminho, mas a diferença entre a maneira heróica e a maneira estúpida de percorrê-lo. Sobretudo, põe diante de ti a grandeza e a formosura divina das tarefas que a Trindade deixa em nossas mãos. O sentimento, pelo contrário, apega-se a tudo o que desprezas, mesmo que continues a considerá-lo desprezível”[3]
Além disso, retornando à contemplação dos sinais e prodígios da Mãe de Deus, pode-se ver o quão presente Ela se faz a seu povo amado, como no fato da pesca abundante. Um dos mais notáveis é o milagre das velas: aconteceu no primitivo oratório de Itaguaçu, quando em torno do simples altar doméstico, os vizinhos cantavam a reza do terço diante da imagem, e, de repente, na noite serena e calma, as velas se apagam, causando espanto a quem estava assistindo. Silvana da Rocha procurou acendê-las, e, antes que fizesse, elas se acenderam sozinhas prodigiosamente.
Outra manifestação clara da presença da Mãe Aparecida é o milagre das correntes. Naquela época, a escravidão no Brasil estava em uma de suas mais terríveis fases: os escravos eram açoitados pela chibata e isso causava constantes fugas. Deste modo, um escravo de nome Zacarias, cansado de sofrer, preferiu, em vez de qualquer vingança, escapar para São Paulo. Mas sua viagem é interrompida, ao ser descoberto e reconduzido ao seu “sinhô”. Suando pelo peso das correntes e pelos insultos, Zacarias ainda teve forças para pedir para rezar à Senhora, uma vez que o cortejo da captura passava junto ao “pequeno santuário” erigido em honra da Virgem. E sucedeu que, quando rezava, imediatamente romperam-se de seu corpo o colar e a corrente que o mantinha atado. O senhor do escravo, ao ver o acontecido, ofereceu-o a dita Senhora, que por sua vez, recebe-o e o leva para perto de si, para amar e estimar uma criatura, de tal modo, tão protegida pela Soberana Mãe de Deus.
Isso demonstra o cuidado e o carinho com a qual a Virgem de Aparecida tem por seus ditosos filhos brasileiros, assim como demostrado pela Rainha Ester, que arriscou sua vida para salvar o seu povo da condenação da morte:
“Concede-me a vida, eis o meu pedido; salva o meu povo, eis o meu desejo” (Est 7,3)
Deste modo, a Virgem se identifica com seu povo. Sua cor enegrecida adequa-se à população da região, formada por mamelucos, índios, negros, alguns mulatos e brancos. Assim, a imagem não retrata uma Senhora comum, mas alguém que tem a cor de seu povo. Maria quis mostrar a coragem de sua ternura, ao ser “pescada” nas velhas redes de humildes homens. Quis se tornar negra em sua cor, para dizer um basta aos sofrimentos do povo pelo chicote e pelas correntes que dizimavam os menos favorecidos. Aos poucos a “santinha preta” chamou atenção até mesmo das autoridades do governo. A devoção e o culto dos mais simples tornou-se como que um eco, desde a simples capela que era venerada até ao coração de Dom Pedro I, que na manhã de 8 de Setembro de 1822, declarou colocar o Brasil debaixo da especial proteção de Nossa Senhora da Conceição Aparecida[4].
Portanto, Deus se compraz em fazer ser conhecida Sua mensagem, através de pessoas e coisas que vêm ao tempo presente, a fim de evidenciar a história de salvação. E é assim em Aparecida! Do mesmo modo como os discípulos de Emaús reconheceram Jesus (Lc 24,31), os pescadores reconheceram a diletíssima Senhora. Justifica-se, na gênese dessa devoção, manifesta no encontro da simples imagem, porque tanto surpreendeu e causou admiração. Maria se levanta no solo do Brasil como um foco de luz sobrenatural, cuja centelha de culto irá acender nos corações extraordinárias maravilhas, podendo assim proclamar:
“Viva a Mãe de Deus e nossa,
Sem pecado concebida!
Viva a Virgem Imaculada,
a Senhora Aparecida!”
[1] AZEVEDO, M. Q. O culto a Maria no Brasil: história e teologia. Aparecida, SP: Editora Santuário – Academia Marial, 2001, p.58-59.
[2] SALGADO, F. A. Prodígios de Maria Santíssima. São Paulo: Gráfica Auriverde, 1965, p.57.
[3] SÃO JOSEMARIA ESCRIVÁ, Sulco, n.66
[4] CALIMAN, C. Teologia e devoção mariana no Brasil, São Paulo: Edições Paulinas, 1989, p. 51.
[1] GILSON, Étienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Discurso Editorial; Paulus, 2006.
Alisson Sales, 1º ano da configuração.