Aqueles olhos cansados

Há um tempo atrás, eu estava na van do seminário indo para o centro, em mais uma segunda-feira qualquer, distraído e olhando pela janela como sempre faço. As segundas são dias complicados para mim. No domingo chego um pouco cansado do fim de semana e já na manhã de segunda temos aula normalmente. Então, sempre que tenho que ir para o centro resolver algo, fico muito cansado e isso me deixa bem disperso e pensando: “lá vai minha chance de descansar”.

Foi em meio a estes pensamentos que fui surpreendido por um daqueles momentos que arrebatam a alma. Estávamos na avenida Tiradentes, o trânsito fluía rápido e minha cabeça estava em qualquer outro lugar, as imagens que pela janela eram vazias, nada era capaz de fazer-me voltar para a realidade da qual eu havia me retirado, perdido em mim mesmo, distante da realidade que me cercava.

Estava quente e eu cansado. A van ia acelerada e minha cabeça no modo automático, uma receita perfeita para um dia sem cores. Até que algo conseguiu mudar todo o panorama daquela viagem e devolver as cores ao mundo.

Passando em frente a uma loja qualquer, meus olhos, por um milésimo de segundo, encontraram-se com o olhar de uma senhora, aquele que me contou toda a sua vida.

Ela era velha, seu rosto muito enrugado e a pele, um pouco escura, trazia as marcas dos anos vividos. Estava apoiada em uma estante de metal, segurando-se para conseguir ficar de pé, as pernas já estavam fracas, os passos eram curtos e custosos. Ela usava um daqueles vestidos de avó… Bom, é assim que eu chamo o que ela estava usando. Tudo isso eu vi em poucos segundos. Mas, não foi isso que me marcou, mas sim aqueles olhos que, por um instante menor ainda do que eu gastei para contemplar aquela senhora, eu vi.

Eram olhos cansados, dizendo que já tinham visto muitas coisas, suportado muitos sofrimentos. Continuei minha viagem pensando naquela senhora… Ela não me viu, não sabe quem sou, mas eu pensava: “Será que tem alguém para cuidar dela? Alguém que vai escutá-la quando ela chegar em casa? Será que alguém escuta o que esses olhos contam? Será que ela tem filhos, netos? Quem é sua família?” . Essas perguntas não me deixaram em paz.

Já se passou um bom tempo desde que este fato aconteceu e até hoje não esqueci dos olhos daquela senhora. E sempre que lembro do que aconteceu vêm visitar-me as mesmas lágrimas que no dia molharam meu rosto e que fui obrigado a disfarçar dos meus amigos que estavam na van comigo.

Mas, qual o motivo desta história?

Por causa de uma coisa que lembrei depois quando parei para pensar em tudo que tinha acontecido comigo. Aquela senhora se tornou concreta para mim naquele instante. Ela era uma pessoa de verdade, era um outro, tinha sua história, uma vida. Aquela pessoa conseguiu tirar-me do meu mundo fechado e jogar-me de novo na realidade e ao ver isso fui obrigado a fazer um exame de consciência e depois um mea culpa, ao ver que estava deixando passar tantas pessoas ao meu redor e, como tantas vezes, por estar no automático, não via meus irmãos com quem sempre convivo.

Isso tem um nome, coisificar, objetificar, uma pessoa, deixá-la passar por você como se fosse algo qualquer. A pessoa nunca pode ser coisificada, isso é um atentado contra a sua dignidade e isso fez-me retomar antigos propósitos dos quais eu havia me esquecido. Nós somos dons uns para os outros, e essa verdade, repetida tantas vezes por mim, percebi que estava ficando distante do meu ser.

Somos chamados a olhar aquelas pessoas que estão diante de nós como um dom, um grande espetáculo, algo sagrado e, por isso, deve ser sempre respeitada, seja quem for! Mesmo não concordando com suas ideias ou atitudes, devo lembrar que, diante de mim, sempre há uma pessoa que deve ser amada, como eu amei aquela desconhecida.

Olhar as pessoas assim é uma escolha que tive que reafirmar. Viver dessa forma torna um caminho simples e eficaz, para que juntos possamos chegar à eternidade, pois esse é o segredo do amor, que nos leva diretamente a Deus e nos faz tocar a vida íntima da Trindade Santíssima.

Porém, tudo isso requer aprendizado, demanda erros e acertos e, neste caminho, precisamos de ajuda. Dessa forma, rezo ao grande Mestre que me ensine, que nos instrua a olhar o nosso próximo como ele deve ser olhado e a amá-lo como ele deve ser amado. Ah, e rezo também por aquela senhora que, com seus olhos cansados, lembrou-me de algo que eu já estava esquecendo.

Marcus Vinícius Loures Rangel, 3º ano da Configuração.

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