“Desperta tu que dormes na escuridão”

 “Não te é dito: ‘Esforça-te por encontrar o caminho, para que possas chegar à verdade e a vida’. Levanta-te, preguiçoso! O próprio caminho veio ao teu encontro e te despertou do sono em que dormias, se é que chegou a despertar-te; levanta-te e anda! Talvez tentes andar e não consigas, porque te doem os pés. Por que estão doendo? Não será pela dureza dos caminhos que a avareza te levou a percorrer? Mas o Verbo de Deus curou também os coxos. ‘Eu tenho os pés sadios, respondes, mas não vejo o caminho’. Lembra-te que ele também deu a vista aos cegos.” (Dos tratados sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho). 

Desperta, pois é chegado o tempo de conversão. Cristo, o Caminho, a Verdade e a Vida, nos chama à mudança de vida, à Metanoia. Não dá mais para ficar na preguiça, não dá para ficar na comodidade do pecado. É tempo de nos retirarmos com Ele para o deserto, vivermos a radicalidade do seguimento a Cristo e nos prepararmos para a solenidade central de nossa fé, a Páscoa do Senhor; nos prepararmos para vida eterna. 

Imitando o povo Hebreu que peregrinou por quarenta anos no deserto em direção à Terra Prometida nos coloquemos a caminhar, com coração contrito e com o desejo de conversão, rumo à vida eterna. É hora de despertar, é hora de levantar e enfrentar com coragem o deserto. Lugar onde vamos nos encontrar com o amor misericordioso de Deus; lugar onde vamos nos encontrar com nossas misérias e enfrentar as mais diversas tentações de Satanás. 

“Desperta, minh’alma, desperta!” (Sal. 56, 9b), desperta do sono da morte que te afasta de teu Criador. “Ora, ele não é Deus de mortos, mas sim de vivos; todos, com efeito, vivem para Ele” (Dos comentários sobre os Salmos, de Santo Ambrósio). “Eu te ordeno, levanta-te” (Lc. 7, 14), saia das trevas e volte à Luz, vá depressa ao encontro do Bom Mestre que espera ansiosamente teu retorno. Como o pai esperou o filho pródigo Cristo anseia pelo teu retorno à casa paterna.

“Nele nos escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor” (Ef. 1, 4). A exortação de Cristo através de Sua Igreja, de forma mais intensa neste tempo quaresmal, é para que nos recordemos do motivo pelo qual fomos criados. Façamos memória do chamado que Ele nos fez desde muito antes do nosso nascimento e, então, cientes das nossas infidelidades, busquemos retomar o caminho.

A Igreja como mãe nos orienta mostrando como podemos alcançar a conversão e, por meio da Palavra, nos mostra os meios. Não só na quaresma, mas em toda nossa vida cristã devemos, pela oração, colocar-nos em conformidade à Vontade do Pai, pelo jejum mortificarmos nossa carne e renunciarmos os nossos desejos e, pela caridade, cumprir o mandamento do amor. Esses são os três principais meios que nos auxiliam a corresponder à nossa vocação primeira. 

“Ficai acordados, portanto, orando em todo momento, para terdes a força de escapar de tudo o que deve acontecer e de ficar de pé diante do Filho do Homem” (Lc. 21, 36). Ao nos colocarmos em oração nos aproximamos de Deus e, como Jesus fez nas diversas vezes que se recolheu para estar a sós com o Pai, confiamos nossa vida à Sua vontade. Neste tempo somos convocados a uma vida de intimidade com o Senhor, somos convocados a tomar consciência que sem o Pai nada podemos fazer.

Todos as vezes que nos colocamos em oração somos revestidos com as armaduras de Deus e nos colocamos em atitude de vigilância. “Por que estais dormindo? Levantai-vos e orai, para que não entreis em tentação!” (Lc. 22, 46), “Orai em toda circunstância” (Ef. 6, 18) e, “quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora a teu Pai que está lá, no segredo; e teu Pai, que vê no segredo, te recompensará.” (Mt. 6, 6). Ir para o quarto é o ato de se silenciar interior e exteriormente, entrar no mais profundo da alma, se colocar a sós com Deus e mostrar para Ele a nossa verdade; mostrar quem somos. É se colocar diante do Senhor com humildade e rezar como o publicano que voltou para casa justificado: “Meu Deus, tem piedade de mim, pecador!” (Lc. 18, 13b). É hora de despertar da morte causada pelo pecado e acordar para vida com Cristo para que não percamos nossa alma para Satanás. Por isso orai e vigiai em todo momento.  

Chegou a hora de nos levantarmos e, estando no deserto, escancarar as portas do nosso coração e permanecermos com o Senhor, pois a nossa luta não é contra homens, mas contra os poderes das trevas; contra Satanás e seus anjos. Jesus foi para o deserto e se deixou ser tentado pelo inimigo para nos mostrar que, pela união com o Pai, podemos vencer as trevas. Não podemos dialogar com a tentação, mas combatê-la pela oração convencidos de que sem Deus nada podemos fazer. Assim permaneceremos com Cristo e nos distanciaremos do inimigo.

“Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Por quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome” (Mt. 4, 1-2). O jejum que o próprio Jesus nos ensina a fazer é uma chamada de atenção para o fato de que precisamos mortificar nossa carne; mortificar nossa vontade inclinada para o pecado, “pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt. 26, 41b).

Nosso jejum deve ser um sacrifício de agradável odor que nos aproxima do Senhor. “Quando jejuares, não tomeis um ar sombrio como fazem os hipócritas, pois eles desfiguram seu rosto para que seu jejum seja percebido pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, unge tua cabeça e lava teu rosto, para que os homens não percebam que estás jejuando, mas apenas teu Pai, que está lá no segredo; e teu Pai, que vê no segredo, te recompensará” (Mt. 6, 16-18).

Muito frequentemente nos submetemos a duras penas para podermos alcançar bens ou outras realidades que desejamos conquistar, porém, quando se trata de um sacrifício em vista dos bens incorruptíveis colocamos numerosos obstáculos. “Todos os atletas se impõem a si muitas privações; e o fazem para alcançar uma coroa corruptível. Nós o fazemos por uma coroa incorruptível” (1Cor. 9, 25).

De nada adianta, porém, oração e jejum sem a caridade, pois a fé sem obras é morta. É hora de despertar e viver o amor com prontidão, é tempo de acordar e sair do egoísmo e do orgulho. É agora o momento favorável de voltar para o caminho e se colocar a obedecer o mandamento do Senhor.

“Este é o meu novo mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo. 15,12). Cristo amou tanto o mundo que, como servo obediente ao Pai, entregou Sua vida em nosso favor para nos libertar das amarras do pecado. É para esse amor sem medidas que temos que despertar. 

 Agora é o tempo oportuno! Não deixemos a graça passar. “Eis agora o tempo favorável por excelência. Eis agora o dia da salvação” (2Cor. 6, 2b).

Matheus Pedrosa, 3° ano do Discipulado

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